Cerca de 200 muçulmanos invadiram um retiro de jovens cristãos realizado em uma residência na vila de Tangkil, no distrito de Cidahu, província de Java Ocidental, Indonésia. O ataque ocorreu por volta das 13h30, após as orações na mesquita local, e resultou em danos materiais e na expulsão dos participantes.
Testemunhas relataram que os manifestantes gritavam palavras de ordem como “Destruam aquela casa” e carregavam faixas enquanto avançavam contra a residência. Janelas, banheiros, um mirante, um jardim e um veículo estacionado foram danificados. Uma motocicleta foi jogada em um rio próximo.
Vídeos que circulam nas redes sociais mostram um homem escalando um muro para remover uma cruz de madeira, que em seguida foi usada para quebrar uma janela. Outros vídeos mostram objetos sendo destruídos com cadeiras e ferramentas.
Apesar da presença de policiais e soldados, os agentes só intervieram após os atos de vandalismo, evacuando 36 jovens e três veículos do local para evitar agressões físicas. Um dos vídeos mostra adolescentes assustados tentando entrar rapidamente em um carro enquanto são cercados por gritos da multidão.
Acusações
A residência pertence a Maria Veronica Ninna, que não estava presente no momento do ataque. Segundo autoridades locais, a casa já havia sido utilizada anteriormente para cultos cristãos, o que teria motivado a insatisfação dos moradores. “Não é que sejamos intolerantes, mas se o culto for realizado secretamente, envolvendo forasteiros, sem permissão, em um assentamento 100% muçulmano, ficamos preocupados”, afirmou um morador não identificado.
Na manhã do mesmo dia, às 10h30, autoridades locais — incluindo o chefe da filial de Sukabumi do Conselho Ulama da Indonésia — haviam visitado a casa e conversado com Wedi, irmão da proprietária. Segundo relatos, uma provocação durante esse encontro teria desencadeado a mobilização da multidão contra o retiro de jovens.
O chefe da Agência de Unidade Nacional e Política da Regência de Sukabumi, Tri Romadhono, declarou ao Sukabumiupdate.com que o incidente foi “uma reação espontânea dos moradores ao fato de uma casa estar sendo usada como local de culto sem permissão oficial”.
Culto doméstico
A legislação indonésia exige permissão para construção de igrejas, mas, segundo o ativista Permadi Arya, conhecido como Abu Janda, cultos realizados em residências não requerem autorização. Em publicação de 2023, ele citou o Decreto Conjunto dos Dois Ministros (Capítulo 1, Artigo 3), que estabelece que locais como casas, cafés e lojas podem ser usados para cultos, de forma equivalente às musholla (salas de oração muçulmanas), sem necessidade de alvará.
Ainda assim, o chefe do bairro, identificado como Hendra, alegou que a casa foi usada diversas vezes para cultos com participação de visitantes externos, inclusive com chegada de ônibus. “Os moradores não podem mais tolerar isso, porque este lugar não é um local oficial de culto”, disse Hendra.
O líder da vila, Ijang Sehabudin, declarou que houve tentativas de mediação desde abril. “Recomendamos que não a utilizássemos para cultos religiosos, mas fomos ignorados”, afirmou. Segundo ele, os moradores consideraram que seus “direitos ambientais” estavam sendo violados por atividades religiosas em uma zona residencial.
Acordo e indenização
No sábado, 29 de junho, Ijang informou que os moradores aceitaram pagar pelos danos causados à propriedade. Ele enfatizou que os danos foram causados a uma casa, “não a uma igreja ou local de culto”.
As autoridades distritais publicaram uma nota oficial afirmando que houve acordo para que a igreja não tomasse medidas legais contra os agressores, e que as divergências seriam resolvidas por meio de diálogo. O comunicado também pedia que a casa fosse utilizada exclusivamente como residência. “Acreditamos que incidentes semelhantes não ocorrerão novamente no futuro”, dizia a nota.
Intolerância religiosa
O ativista Permadi Arya criticou a postura das autoridades, afirmando que o caso revela cristofobia e negligência do Estado. “Estudantes cristãos em retiro em Sukabumi foram atacados por moradores, despejados de suas casas e estas foram destruídas pelas massas”, escreveu ele nas redes sociais.
Ele afirmou que o problema não está relacionado à ausência de licenças, mas à intolerância religiosa: “Isso é pura fobia cristã, permitida pelo Estado desde a época do Sr. Jokowi até o presidente Sr. Prabowo”.
Organizações como a Portas Abertas alertam que, na Indonésia, a construção de novas igrejas é dificultada por um decreto ministerial de 2006. Mesmo quando congregações reúnem os requisitos — como obter 90 assinaturas de membros e 60 de famílias vizinhas de outras religiões — muitas vezes enfrentam atrasos e negativas por parte das autoridades locais.
O país, de maioria muçulmana, tem demonstrado um endurecimento religioso em algumas regiões, especialmente em Java Ocidental, onde casos semelhantes de perseguição a cristãos já foram registrados. Igrejas envolvidas em evangelização pública são frequentemente alvo de grupos extremistas.
Contexto legal e social
A Indonésia é o país com a maior população muçulmana do mundo e reconhece oficialmente seis religiões: islamismo, protestantismo, catolicismo, hinduísmo, budismo e confucionismo. A Constituição garante liberdade religiosa, mas essa liberdade é frequentemente contestada por normas administrativas e resistência comunitária local.
Especialistas em liberdade religiosa alertam para o uso indevido do argumento legal como forma de restringir atividades religiosas minoritárias. “O que começa como disputa sobre licenças termina por se tornar um argumento para repressão social e violência”, afirmou à imprensa um analista da ONG Human Rights Watch, que acompanha casos na região.
Segundo informado pelo The Christian Post, embora os líderes locais tenham prometido reparação dos danos e mantido negociações pacíficas com os envolvidos, o caso reacende o debate sobre o direito de culto e a segurança de minorias religiosas na Indonésia.