O aiatolá Naser Makarem Shirazi, uma das figuras mais influentes do clero xiita, emitiu um parecer religioso que classifica como “inimigo de Alá” qualquer pessoa ou regime que ameace a vida do líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei. A declaração foi feita em resposta a uma consulta formal, segundo noticiou a agência estatal Mehr no final de junho.
“Qualquer pessoa ou regime que ameace o Líder ou Marja (que Alá nos livre) é considerado inimigo de Alá”, afirmou Shirazi, em referência tanto a Khamenei quanto aos altos clérigos da hierarquia xiita. A declaração foi enquadrada como uma Fatwa, isto é, um decreto religioso baseado na interpretação da Sharia (lei islâmica), com potencial de forte influência sobre decisões judiciais no país.
A questão foi levantada com base em alegadas ameaças feitas por autoridades estrangeiras, incluindo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. A Fatwa também se estende a líderes religiosos dissidentes da escola Shirazi, considerada crítica ao regime iraniano.
Implicações políticas
Shirazi afirmou que é considerado haram – termo árabe que designa algo proibido pelo Islã – que muçulmanos ou governos islâmicos ofereçam qualquer tipo de apoio a pessoas ou grupos que atentem contra a vida de Khamenei. “É necessário que todos os muçulmanos ao redor do mundo façam com que esses inimigos se arrependam de suas palavras e erros”, diz o decreto.
A Fatwa, embora não tenha força legal autônoma, pode impactar decisões judiciais e ações estatais em países que adotam a lei islâmica em seu sistema jurídico. No Irã, esses pareceres emitidos por grandes autoridades religiosas são considerados vinculantes no plano moral e, em alguns casos, político.
Caso Salman Rushdie
Khosro K. Isfahani, analista sênior da União Nacional para a Democracia no Irã, comentou o caso na plataforma X, comparando a nova Fatwa à sentença de morte emitida em 1989 contra o escritor britânico Salman Rushdie pelo livro Os Versos Satânicos.
“Um segundo grande aiatolá … acabou de emitir um assassinato Fatwa contra POTUS Trump”, escreveu Isfahani em 29 de junho. Ele destacou que o decreto foi assinado e selado após uma consulta formal (Estefta), e enfatizou que, “ao contrário da inexistente Fatwa sobre armas nucleares, esta é real”.
Segundo a mesma entidade, o regime iraniano estaria disposto a usar essa retórica religiosa como instrumento de repressão e desestabilização. “O regime perseguirá o terror, o caos e os assassinatos enquanto estiver no poder. O único caminho para a paz e a estabilidade é ajudar os iranianos a recuperar seu país”, afirmou a União em nota oficial.
Instabilidade interna
A emissão da Fatwa ocorre em meio a um cenário político delicado no Irã. Entre meados e o fim de junho, o país enfrentou uma escalada de tensões após 12 dias de confrontos armados e protestos internos. O episódio agravou a crise de legitimidade do governo iraniano, segundo avaliação do pesquisador Hamidreza Azizi, do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança.
“Foi um momento altamente precário para a República Islâmica”, disse Azizi em entrevista à revista Newsweek, publicada em 25 de junho. O pesquisador avaliou que o regime pode adotar medidas repressivas contra opositores tanto dentro como fora do país, numa tentativa de evitar o enfraquecimento do aiatolá Ali Khamenei e de seu círculo de poder.
Embora ainda não haja indícios concretos sobre como o líder supremo responderá diretamente à Fatwa emitida, a retórica adotada por Makarem Shirazi indica uma disposição por parte do clero alinhado ao regime de endurecer o discurso contra ameaças externas e dissidências internas. A medida também serve como instrumento simbólico de reafirmação da autoridade religiosa sobre a condução do Estado.
Considerações finais
A Fatwa de Shirazi, por seu conteúdo e contexto, amplia as tensões diplomáticas entre o Irã e países ocidentais, especialmente os Estados Unidos e seu aliado no Oriente Médio, Israel. O teor do decreto remete a episódios anteriores da história iraniana em que decretos religiosos tiveram consequências graves, inclusive atentados contra opositores e alvos externos.
Até o momento, não houve manifestação oficial por parte do governo dos Estados Unidos ou de Israel sobre a Fatwa. A situação segue sendo acompanhada por entidades internacionais e observadores especializados em segurança no Oriente Médio.