A busca pela paz duradoura entre Rússia e Ucrânia foi o tema central discutido antes, durante e após a Conferência de Segurança de Munique (14 a 16 de fevereiro). Contudo, a maneira de alcançá-la tem se mostrado um ponto de crescente divisão entre a Europa e os Estados Unidos.
A declaração de Donald Trump, na semana passada, de que havia concordado com Vladimir Putin sobre negociações fora da Europa gerou repercussões significativas entre líderes globais, muitos dos quais consideraram a medida como uma tentativa de encerrar prematuramente um conflito no qual a Rússia deve ser responsabilizada pela invasão ilegal da Ucrânia, que já resultou em dezenas de milhares de mortos e mais de 4,2 milhões de refugiados.
“A paz duradoura” também é o desejo de Ruslan Maliuta, líder cristão ucraniano e cofundador da ONG World Without Orphans. “É isso que eu rezo e espero, assim como milhões de outros ucranianos”, afirmou ele.
Contudo, ele expressou ceticismo quanto à possibilidade de que negociações com Putin possam realmente levar à paz, independentemente do que possa ser acordado ou assinado. Em entrevista ao Evangelical Focus, Maliuta declarou:
“Nos últimos 20 anos, testemunhei e vivi em primeira mão como Putin e seu regime têm buscado controlar e destruir a Ucrânia com o apoio da maioria da população russa”.
Maliuta defende que esse objetivo permanece inalterado e, portanto, não há razão para acreditar que Putin honraria quaisquer acordos. Três anos após o início da invasão em grande escala da Ucrânia, a Rússia ainda descreve as advertências ocidentais como mentiras da propaganda.
Ele considera que estamos em “um período decisivo para o futuro da Ucrânia e da Europa, e talvez do mundo inteiro”. Para ele, “o único caminho para a paz duradoura na Europa é uma mudança de regime na Rússia — um novo governo que inverta a direção atual e priorize a vida e o bem-estar das pessoas, incluindo o de seus próprios cidadãos”.
Para Maliuta, segundo o Evangelical Focus, e muitos outros cristãos evangélicos ucranianos, ficou claro que a Europa deve assumir a responsabilidade principal pela resolução dessa crise.
“Apoiar a Ucrânia de todas as formas possíveis é um elemento essencial e não negociável dessa solução”, afirmou. Ele concluiu: “Estou dizendo o que me parece dolorosamente óbvio. Ao analisar a situação, não encontro base para um cenário positivo. Por isso, rezo por um milagre.”
A visão do novo cenário
Daniel Farcas, professor de filosofia na Romênia, acompanhou de perto as discussões da Conferência de Munique. Ele compartilhou com o Evangelical Focus sua impressão sobre as palavras do vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, que causaram-lhe confusão.
“Do ponto de vista retórico, foi um excelente discurso; foi um discurso sobre valores, mais do que sobre segurança; e sobre os desafios internos da União Europeia, e não sobre o conflito russo-ucraniano”, analisou Farcas.
Ao final, a mensagem transmitida foi de que “os EUA irão gerenciar a guerra na Ucrânia de uma forma americana (…) os EUA não veem a UE como um parceiro confiável para resolver a crise na Ucrânia”.
Embora Vance tenha afirmado em Munique que EUA e Europa estão “no mesmo time” como aliados da OTAN, Farcas interpretou isso como um possível “recado de despedida” que os Estados Unidos queriam transmitir a seu (antigo?) aliado.
Farcas destacou um “paradoxo impressionante” na abordagem de Donald Trump para os assuntos exteriores. O novo presidente dos EUA, segundo Farcas, promove uma diplomacia de estilo Realpolitik, ou seja, uma “diplomacia de interesses, não de valores”, como apontado por Henry Kissinger.
Essa abordagem transacional com o resto do mundo era previsível, mas, para Farcas, não se alinha com a defesa de valores que fez Trump conquistar o eleitorado evangélico.
Farcas concluiu com uma reflexão filosófica: “Você sabe como o ‘America First’ soaria na linguagem de Sartre?” E, ao responder, ele citou a célebre frase do filósofo francês: “L’enfer c’est les autres” (O inferno são os outros). “Mas quem são os outros? A Ucrânia? Os países da União Europeia? O Canadá? A Dinamarca, com a sua Groenlândia?”