A decisão de um tribunal civil de Bahawalpur, que anulou o casamento forçado e reverteu a conversão ao islamismo de uma menina cristã, representa um desenvolvimento incomum em um contexto onde tais práticas são frequentemente legitimadas pela aplicação da lei Sharia.
O caso de Shahida Bibi ilustra um problema persistente no Paquistão envolvendo conversões e casamentos forçados, especialmente entre meninas pertencentes a minorias religiosas.
Segundo a ADF International, organização que apoiou juridicamente Bibi, a decisão permitiu que ela se reunisse com sua família e recuperasse sua identidade cristã por meio da reemissão de documentos oficiais.
A trajetória de Bibi, que começou com a separação da mãe e a entrega ao irmão de seu padrasto aos 11 anos, evidencia as dificuldades enfrentadas por meninas vulneráveis. O casamento foi formalizado apenas quando ela completou 18 anos, supostamente para evitar a violação da legislação paquistanesa contra o casamento infantil.
Durante esse período, Bibi deu à luz dois filhos enquanto permanecia em uma união não consensual, de acordo com informações do The Christian Post.
O caso ocorre em um contexto mais amplo de perseguição religiosa e violações de direitos humanos no Paquistão. Um estudo realizado pelo Movimento pela Solidariedade e Paz do Paquistão em 2014 estimou que cerca de 1.000 meninas cristãs e hindus são sequestradas, forçadas a se casar e convertidas anualmente.
A aplicação da lei Sharia, que reconhece a puberdade como idade válida para o casamento, frequentemente legitima essas uniões, limitando as possibilidades de intervenção das famílias.
Organizações internacionais têm alertado sobre os riscos do casamento infantil, que afeta milhões de meninas globalmente. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estima que mais de 100 milhões de meninas podem ser forçadas a se casar na próxima década, com minorias religiosas em países como o Paquistão sendo particularmente vulneráveis devido à discriminação sistêmica e à falta de proteção legal.
Tehmina Arora, diretora de advocacia da ADF International na Ásia, destacou a importância da decisão, afirmando que o governo paquistanês deveria estabelecer uma idade mínima uniforme para o casamento a fim de prevenir casos semelhantes: “Toda pessoa sob a lei internacional tem o direito de escolher livremente e viver sua fé sem medo de violência”, afirmou.
Segundo Arora, as autoridades paquistanesas devem alinhar suas leis com os compromissos internacionais de proteção à liberdade religiosa e garantir sua aplicação.
O caso também gerou repercussões no cenário internacional. Em janeiro de 2025, a União Europeia emitiu um aviso formal ao Paquistão, alertando sobre possíveis impactos nas relações comerciais caso o país não aborde suas violações de direitos humanos, incluindo leis de blasfêmia e perseguição de minorias religiosas.
Nos Estados Unidos, senadores apresentaram uma resolução bipartidária em 2024 instando o governo norte-americano a responsabilizar os autores dessas violações, com ênfase na necessidade de ações diplomáticas e jurídicas contra conversões e casamentos forçados.
A decisão do tribunal de Punjab pode ser vista como um avanço na proteção de vítimas de conversão e casamento forçados no Paquistão, mas organizações de direitos humanos alertam que ainda há um longo caminho para garantir justiça e segurança para meninas como Shahida Bibi.