Durante um episódio recente do podcast Ask NT Wright Anything, o teólogo anglicano e estudioso do Novo Testamento NT Wright respondeu a uma pergunta sobre identidade trans e fé cristã. A discussão contou com a participação do teólogo australiano Michael F. Bird.
A questão foi enviada por uma ouvinte que se identifica como homem e se descreveu como “amante de Cristo”. Segundo relatou, ela conheceu Jesus após ter passado por cirurgias hormonais e viver por uma década como homem:
“Eu conheci a Cristo depois de passar por todas as cirurgias hormonais e viver como homem por 10 anos. Muitas vezes, quando ouço falar de pessoas transgênero que se tornaram cristãs, é uma história de destransição para o seu gênero natural”, escreveu.
A ouvinte observou que essas narrativas geralmente envolvem pessoas no início da transição e que, por isso, poderiam retornar mais facilmente à condição anterior. “O que a Bíblia teria a dizer sobre alguém no meu caso?”, perguntou ela, manifestando preocupação de que seu modo de vida pudesse ser considerado pecaminoso, embora não tenha expressado desejo de reverter sua transição.
Michael F. Bird reconheceu a complexidade da pergunta. “A biologia é muito complexa. Muitas coisas podem dar errado com a nossa biologia. Também podem dar errado com a nossa psicologia. E a ligação entre elas também pode ser muito, muito complexa”, afirmou.
NT Wright acrescentou que os debates atuais sobre identidade de gênero são recentes e não estavam contemplados nos tratados tradicionais de teologia e ética. “Todo esse discurso é muito novo. Precisamos nos lembrar de que isso não é algo para o qual os manuais mais antigos de teologia, ética etc. nos teriam preparado”, disse.
O teólogo britânico, de 76 anos, observou que muitos debates contemporâneos priorizam sentimentos subjetivos em detrimento da realidade biológica. “As pessoas se acostumaram a pensar em termos de: ‘Não importa qual seja meu corpo ou como nasci fisicamente, o que importa é quem eu sinto profundamente dentro de mim que realmente sou’”, comentou.
Wright afirmou nunca ter aconselhado pessoalmente alguém em conflito com a identidade de gênero, ressaltando a necessidade de cautela e sensibilidade ao tratar do tema. “O que vou dizer é que devo ser cauteloso e estar muito ciente de que há enormes sensibilidades em torno dessa questão”, declarou.
Autor do livro Surpreendido pela Esperança, Wright alertou ainda para a politização do tema. “Há pessoas que se aproveitam do desconforto de algumas pessoas para, por assim dizer, defender argumentos políticos — e algumas que diriam que todos os gêneros são inteiramente fluidos e que você pode inventar… quem você quer ser e como deve se comportar.”
Ele também fez menção à diferença entre cromossomos e identidade de gênero. “As mulheres claramente têm cromossomos XX; os homens, cromossomos XY. Portanto, presumo que nossa correspondente ainda tenha apenas o cromossomo XX e não tenha, de alguma forma, adquirido um cromossomo Y por meio de tratamento hormonal. Posso estar enganado, mas não acho que isso seja uma opção”, afirmou. Wright acrescentou: “Não sou cientista. Não entendo de biologia, nem de como os hormônios funcionam.”
Apesar das ressalvas, o teólogo enfatizou uma abordagem pastoral centrada na graça. “Repetidamente, quero dizer que, assim como com Jesus nos Evangelhos, Deus nos encontra onde estamos e nos ama como somos. Isso é absolutamente vital”, declarou. Segundo ele, esse amor não exclui o chamado à transformação: “Deus pode querer nos dizer […] que agora existem certos caminhos a seguir que você precisa trilhar.”
Ele esclareceu que esse processo não implica condenação. “Não se trata de dizer: ‘Ah, você é mau. Ah, você é um pecador. Você não deveria estar fazendo isso, aquilo ou aquilo outro’. É dizer: ‘Bem, onde estamos agora é bastante complicado, e vamos ver como podemos avançar passo a passo, sabendo que o Deus da graça e do amor está com vocês’.”
Wright alertou, no entanto, que afirmar que “Deus está com você” não significa aprovar todas as escolhas anteriores sem discernimento. “Esta não é uma questão de ‘vale tudo’. Deus quer que você seja um ser humano genuíno e plenamente florescente”.
Ao ser questionado se Deus pode amar e aceitar alguém que vive essa realidade, Wright respondeu: “Quero dizer que sim, absolutamente. Isso é fundamental para o Evangelho e tudo o que ele representa.” Ele mencionou a transformação de Zaqueu, registrada no Evangelho de Lucas, como exemplo de como Jesus impactava vidas. “Às vezes, essa transformação é muito lenta e sutil. Às vezes, é bastante vívida e instantânea.”
O teólogo destacou a importância de apoio pastoral contínuo: “Acredito que haverá um caminho a seguir… então siga em frente. Siga com seu pastor. Siga com o amor de Deus envolvendo você em Jesus e o Espírito Santo respirando em você e através de você em tudo o que está por vir”, concluiu.
Nos últimos anos, diversos relatos de arrependimento envolvendo transições de gênero vieram à tona, com depoimentos de pessoas que buscaram a chamada destransição após procedimentos considerados irreversíveis.
Um dos casos mais citados é o do norte-americano Forrest Smith. Em entrevista ao The Christian Post, ele contou que, aos 20 anos, recebeu prescrição de hormônios e, ao longo de cinco anos, passou por cirurgias, incluindo implantes mamários e orquiectomia bilateral, o que resultou em esterilização permanente.
Smith relatou que seu diagnóstico de disforia de gênero foi dado rapidamente em uma clínica especializada, sem a devida investigação de fatores subjacentes. “Eu diria que fui meio que empurrado e puxado para a medicalização antes mesmo de definir a identidade”, afirmou. Segundo ele, questões como vício em pornografia e ausência de figuras paternas não foram abordadas.
Ele também relatou experiências negativas em uma igreja de linha progressista, que, segundo seu testemunho, distorceu o ensino cristão para validar sua disforia. “Ainda lido com interações com aquela antiga comunidade e percebo que sou julgado; sinto-me bastante rejeitado”, relatou.
Smith afirmou que encontrou consolo e direção em uma igreja pentecostal, por meio da orientação de um pastor que o acolheu sem julgamentos. “Eu realmente estava em um lugar onde queria mudar de ideia”, disse, enfatizando o papel do arrependimento e da escuta pastoral em sua trajetória de restauração.