Em meio a um cenário de solidão crescente e confusão afetiva, cristãos de diferentes partes do mundo têm voltado a discutir o papel da sexualidade na vida espiritual. O tema, muitas vezes tratado com silêncio ou culpa, começa a ganhar novos contornos no diálogo pastoral e psicológico, especialmente entre jovens que buscam vínculos verdadeiros e orientação bíblica sobre intimidade.
Uma reportagem da BBC publicada em 2023 apontou que jovens estão fazendo menos sexo do que gerações anteriores. As razões não estão, em grande parte, ligadas a convicções religiosas, mas sim à ansiedade, isolamento social, uso excessivo de tecnologia e à falta de vínculos afetivos reais.
Nos Estados Unidos, dados do General Social Survey mostraram que a porcentagem de homens entre 18 e 30 anos que não tiveram relações sexuais no ano anterior triplicou entre 2008 e 2018. No Brasil, especialistas em comportamento também têm observado tendência semelhante.
A psicóloga sistêmica Suzana Stürmer, membro da Igreja Presbiteriana Renovada – Família da Fé, em São José (SC), acompanha o fenômeno de perto: “A gente vê jovens muito sobrecarregados, ansiosos, e que perderam o referencial do que é um relacionamento construído com propósito”, afirmou.
Segundo ela, muitos se sentem culpados por terem desejos naturais, mas também se frustram por não conseguirem expressar sua afetividade de forma madura. “A Igreja, às vezes, não soube ouvir suas perguntas. E quando não há respostas, eles as buscam em qualquer lugar, inclusive na pornografia”, declarou.
Pornografia e o silêncio das igrejas
O consumo de pornografia, segundo a psicóloga, é um reflexo da intimidade desconectada da vida em comunidade. Um levantamento do Barna Group, instituto cristão de pesquisa dos Estados Unidos, revelou que 65% dos homens cristãos entrevistados assistem pornografia pelo menos uma vez por mês. Entre as mulheres cristãs, o índice chega a 15%.
Apesar da frequência, o tema segue sendo abordado com vergonha ou silêncio em muitas igrejas, o que, segundo Suzana, agrava o problema. “Enquanto a igreja continua calada, o mundo segue educando emocional e sexualmente os jovens. E faz isso com distorções graves sobre o que é intimidade, prazer e valor humano”, disse.
Ela também destacou que a repressão sexual histórica contribuiu para que muitos cristãos crescessem com medo ou culpa em relação ao próprio corpo. “O sexo foi tratado durante décadas como um inimigo da santidade. E isso criou barreiras difíceis de derrubar, inclusive dentro dos casamentos cristãos. Homens e mulheres que se casam sem saber como integrar o corpo, a alma e o espírito em sua vida conjugal”, explicou.
Sexualidade com propósito
Para Suzana, é necessário reaprender a falar sobre sexualidade com base nas Escrituras, de forma positiva, bíblica e realista: “O Evangelho não anula o corpo, mas o redime. E isso inclui o desejo sexual”, afirmou.
Textos bíblicos como Gênesis 2:24, Provérbios 5:18-19 e Cânticos de Salomão celebram o prazer e a intimidade no contexto do casamento. Em 1 Coríntios 7, o apóstolo Paulo orienta os cônjuges a cuidarem um do outro também nessa dimensão.
“A sexualidade cristã precisa ser reapresentada como vocação, e não como um fardo. Precisamos ensinar os jovens a pensar sobre sexo com reverência, mas também com alegria”, defendeu Suzana. Ela ressaltou que isso implica acolher dúvidas sem julgamento e criar espaços de escuta verdadeira.
Discipulado integral
A busca por relacionamentos autênticos também reflete um cansaço em relação aos padrões de performance ou aparência: “Muitos jovens não querem mais repetir os ciclos de relacionamentos descartáveis. Querem vínculos sinceros, propósito comum e espiritualidade compartilhada”, explicou a psicóloga.
No entanto, ela reconhece que essa geração precisa de orientação e discipulado também nesse aspecto da vida. “A Igreja tem o dever de ensinar que o desejo não é errado, que o corpo é criação divina e que o prazer dentro do casamento não é pecado, mas sim bênção”, disse.
Ela concluiu que o desafio está em ajudar os jovens a integrarem fé, desejo, corpo e propósito, tarefa que requer ensino bíblico consistente, escuta sensível e testemunhos reais de casais cristãos.
“Seja no púlpito, no grupo pequeno ou na conversa individual, a mensagem precisa ser a de que Deus não se envergonha da nossa sexualidade. Ele a criou com um propósito”, afirmou, de acordo com a revista Comunhão.
O debate sobre sexualidade entre cristãos não é novo, mas tem ganhado novas abordagens diante dos desafios contemporâneos. Em um mundo marcado por relações líquidas, consumo de conteúdo sexualizado e desinformação, líderes cristãos têm sido convocados a oferecer uma visão bíblica e encarnada sobre o tema.
Segundo especialistas, isso não significa pressionar os jovens ao casamento, mas ajudá-los a entender que a sexualidade faz parte de sua humanidade e pode ser vivida com sentido e santidade no tempo certo, dentro do casamento conquistado sem pressa.