A confissão de pecados permanece como uma prática recorrente na vida cristã, mesmo diante da convicção de que o perdão foi plenamente conquistado na cruz. A tensão entre o perdão eterno e a necessidade contínua de confissão está presente desde os primeiros séculos da fé cristã e segue alimentando reflexões sobre a graça, a justiça e a comunhão com Deus.
De acordo com o Novo Testamento, a confissão é apresentada como uma atitude constante. Na oração do Pai Nosso, ensinada por Jesus, encontra-se o pedido: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (Mateus 6:12). Na mesma linha, o apóstolo João escreve: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 João 1:9).
O apologista cristão Robin Schumacher observa que, no texto original grego de 1 João 1:9, o verbo “confessar” está no tempo presente contínuo, sugerindo um hábito persistente. Segundo ele, a estrutura da frase poderia ser entendida como “se continuarmos confessando”, o que aponta para a confissão como parte permanente da vida devocional.
O perdão é aplicado individualmente
A discussão teológica sobre o papel da confissão no contexto do perdão já oferecido por Cristo é legítima. Robin Schumacher defende que é necessário considerar tanto a completude da obra redentora na cruz quanto a experiência cotidiana do cristão diante do pecado. Ele afirma: “A redenção oferecida na cruz se atualiza na história à medida que as pessoas passam a existir, cometem pecados, se arrependem e recebem a purificação de Deus”.
Segundo essa compreensão, não se trata de revalidar o sacrifício de Cristo, mas de reconhecer que o perdão é aplicado pessoalmente a cada crente mediante arrependimento. A cruz é suficiente e definitiva, mas a comunhão com Deus é fortalecida por meio da confissão sincera.
Entre a obsessão e a negligência
Historicamente, essa prática já foi alvo de excessos e descuidos. Um exemplo citado frequentemente é o do reformador Martinho Lutero, que, no início de seu ministério, chegava a gastar até seis horas por dia em confissão. Posteriormente, ele passou a entender a confissão como uma expressão de fé na misericórdia de Deus, e não como um fardo.
Em seus escritos, Lutero registrou: “Em suma, a menos que Deus perdoe constantemente, estamos perdidos. (…) Esta petição significa, na verdade, que Deus (…) deseja lidar conosco graciosamente, perdoar como prometeu e, assim, conceder-nos uma consciência alegre e jovial”.
Do outro lado do espectro, há o risco da indiferença, quando a confiança no perdão se desliga da prática do arrependimento. Essa visão, segundo Robin, ignora a seriedade do pecado e compromete a comunhão espiritual.
Confissão é expressão de fé
No entendimento de diversos teólogos, confessar pecados diante de Deus não é um ritual mecânico, mas um sinal de vitalidade espiritual. A prática envolve reconhecer a própria limitação e se submeter à graça. “Confessar não é tentar conquistar algo que falta, mas responder ao que já foi dado”, resume Robin, no artigo publicado no The Christian Post.
Essa postura é ilustrada nas palavras do salmista, que afirmou: “Se tu, Senhor, registrasses os pecados, Senhor, quem subsistiria?” (Salmo 130:3) e também declarou: “Como é feliz aquele cuja transgressão é perdoada, e cujo pecado é coberto” (Salmo 32:1). A tensão entre o “já” e o “ainda não” da salvação cristã aparece com clareza nesses textos.
Renovando a comunhão com Deus
Embora o perdão já tenha sido concedido por meio de Cristo, a confissão tem o papel de restaurar a comunhão com Deus. Robin Schumacher observa: “Não confessamos para conquistar um perdão ausente, mas para renovar nossa comunhão com Aquele que já nos perdoou”.
Essa distinção é considerada essencial para manter a integridade espiritual do cristão. A confissão não deve ser guiada pelo medo da condenação, mas pela confiança na graça. É uma forma de cultivar o relacionamento com Deus em meio à jornada da fé.
A prática da confissão de pecados, à luz das Escrituras, não se opõe ao ensino de que o perdão foi garantido na cruz. Pelo contrário, reforça a centralidade da cruz como ponto de encontro entre a justiça e a misericórdia divinas. Confessar é reconhecer o pecado como Deus o vê e se voltar a Ele em humildade e fé. É uma disciplina espiritual que fortalece a comunhão e mantém o coração sintonizado com a mensagem do Evangelho.