Em 7 de maio, a Associação Cristã Patriótica da China e o Conselho Cristão da China divulgaram um novo projeto intitulado “Ministério de Música Sacra para 2025”. O plano prevê a adaptação dos hinos cristãos à ideologia do Partido Comunista, alinhando-se à diretriz política de sinicização das religiões promovida pelo governo.
As entidades são conhecidas como “Duas Associações” e são responsáveis por representar oficialmente o protestantismo no país, operando sob supervisão direta do governo chinês. O anúncio intensificou preocupações internacionais sobre o avanço do controle estatal sobre a prática religiosa.
Embora seja apresentado como uma proposta de valorização cultural, o projeto foi interpretado por líderes e organizações cristãs como mais uma medida para restringir a autonomia da igreja.
Segundo Kurt Rovenstine, representante da organização Bíblias para a China, “isso reflete uma tendência que temos visto há algum tempo na China: a luta da igreja para se expressar livremente, pregar, ensinar, cantar e adorar conforme achar adequado, de acordo com as Escrituras”.
Diretrizes do novo projeto
De acordo com informações divulgadas, o plano prevê cinco diretrizes principais:
-
Formação de equipes oficiais de música sacra;
-
Criação de uma biblioteca de canções originais com “características chinesas”;
-
Realização de concertos com o tema da sinicização;
-
Integração de módulos de música sacra supervisionados pelo governo em aplicativos religiosos;
-
Treinamento de voluntários que contribuam com a sinicização da música cristã.
A organização China Aid, que monitora a situação da liberdade religiosa na China, afirmou que o projeto visa substituir músicas não alinhadas aos valores do Partido Comunista Chinês (PCC) por hinos compatíveis com as diretrizes ideológicas do Estado. A entidade destacou que o plano representa a criação de um modelo padronizado de louvor, filtrado por critérios políticos.
“Sentimos uma sensação de controle e censura, o que historicamente não tem sido uma coisa boa”, disse Rovenstine, comentando as novas exigências.
Interferência nas bases da fé
A China tem adotado, nos últimos anos, medidas crescentes para adaptar as religiões aos princípios do Partido Comunista. Igrejas registradas no país já enfrentam pressões para ajustar suas doutrinas e práticas administrativas. O novo foco na música sacra amplia esse processo, direcionando até mesmo os elementos litúrgicos à conformidade ideológica.
Segundo Kurt Rovenstine, a escolha da música como alvo inicial não é casual: “Afinal, a música é um alvo mais fácil do que as Escrituras. Você começa com um ou dois louvores e adiciona um elemento cultural ou um valor chinês ao lado de um valor cristão e as pessoas dizem: ‘Bem, isso não é tão ruim’”.
A China Aid enfatizou que os hinos não são apenas formas de adoração, mas meios teológicos e espirituais de transmissão de fé. Em nota, a entidade afirmou: “Forçar a sinicização da música sacra e substituí-la por hinos aprovados pelo governo é, sem dúvida, uma distorção e erosão da essência da fé cristã, dissolvendo gradualmente sua singularidade. Isso não apenas limita as escolhas musicais dos cristãos, mas pode até mesmo alterar sutilmente sua compreensão de Deus e seus modos de adoração”.
Censura e vigilância crescente
Desde 2021, a expressão religiosa nas plataformas digitais está sob restrições severas na China. Aplicativos cristãos foram removidos das lojas virtuais e músicas de louvor desapareceram de redes sociais. O atual projeto de sinicização da música sacra amplia essa vigilância, inserindo conteúdo aprovado pelo governo nos aplicativos usados por igrejas registradas.
A China Aid alertou para o risco de erosão da doutrina cristã diante da imposição de conteúdo com viés estatal. Em reação, líderes cristãos locais e internacionais vêm pedindo orações e apoio espiritual para os cristãos chineses.
“Por favor, ore pelos líderes cristãos que enfrentam ataques à música de sua fé. Ore para que os cristãos chineses tenham clareza e discernimento focados no Evangelho ao considerarem, em espírito de oração, como incorporar música em seus cultos. Ore para que eles permaneçam firmes no fundamento da verdade bíblica quando enfrentarem pressão para se desviar da Palavra de Deus”, concluiu Rovenstine em declaração ao Mission Network News.
Contexto
A política de sinicização das religiões tem sido uma diretriz central do governo do presidente Xi Jinping, que assumiu o cargo em 2013. O termo refere-se à adaptação de práticas religiosas aos valores socialistas e à cultura tradicional chinesa, sob a perspectiva oficial do Partido Comunista. Essa política tem afetado comunidades cristãs, muçulmanas e budistas, com ações que incluem revisões doutrinárias, substituição de símbolos religiosos e aumento da vigilância sobre líderes e fiéis.
Organizações como a China Aid e Portas Abertas classificam a China como um dos países mais restritivos à liberdade religiosa no mundo. Segundo o relatório de 2024 da Portas Abertas, o país ocupa a 16ª posição na lista de nações onde é mais difícil ser cristão.