Em meio à crescente polarização religiosa e política no Brasil, o sacerdote carmelita Gilson da Silva Pupo Azevedo, de 38 anos, conhecido como frei Gilson, tem se destacado como uma das figuras mais visíveis do cenário religioso nacional.
Com votos de austeridade, obediência e oração, o religioso católico ampliou sua influência por meio das redes sociais, onde mescla espiritualidade, música e linguagem acessível, alcançando milhões de seguidores.
Seu ministério, denominado Som do Monte, reúne cerca de 1,5 milhão de ouvintes mensais no Spotify. Nas redes sociais, os números são expressivos. Somente entre os dias 13 e 15 de fevereiro, durante o Carnaval de 2024, frei Gilson ganhou 1,35 milhão de novos seguidores no Instagram.
No YouTube, o crescimento foi de 710 mil inscritos, passando de 6,05 milhões para 6,75 milhões. No TikTok, foram 180 mil novos seguidores, totalizando 856,6 mil.
A passagem bíblica de Marcos 16:15 — “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura” — é frequentemente citada pelo religioso, que tem usado o ambiente digital como espaço de evangelização. Segundo ele, a internet tornou-se um novo púlpito, com alcance que ultrapassa os limites físicos das igrejas.
Início da vida religiosa
Frei Gilson iniciou sua trajetória religiosa aos 18 anos, após aprender a tocar violão na adolescência. Foi ordenado sacerdote em 2013. Ao longo da última década, desenvolveu uma abordagem que combina elementos do catolicismo tradicional com práticas devocionais populares, como a oração do rosário, frequentemente apresentada em transmissões ao vivo durante a madrugada.
Essa combinação de espiritualidade intensa, uso da música e comunicação direta atraiu não apenas católicos, mas também evangélicos, gerando um fenômeno de aproximação entre tradições que historicamente mantêm distinções doutrinárias.
Repercussão política e investigações
O nome de frei Gilson passou a circular também em debates políticos. Declarações sobre temas como o papel da mulher e críticas indiretas ao comunismo dividiram opiniões nas redes. Ele foi mencionado em investigações da Polícia Federal relacionadas aos atos de 8 de janeiro de 2023, embora não tenha sido indiciado.
Após essas menções, a reação nas redes sociais foi intensa. Militantes e influenciadores de esquerda criticaram o religioso, alegando vínculos com uma produtora de conteúdo digital identificada com pautas conservadoras e figuras ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em resposta, o próprio Bolsonaro manifestou apoio a frei Gilson em publicação nas redes sociais. Segundo levantamento da consultoria Palver, as menções ao nome do frei nas plataformas digitais aumentaram dez vezes em poucos dias, saltando de 5 para 55 por 100 mil mensagens publicadas.
O apoio também veio de parlamentares do campo conservador, como os deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG) e Carlos Jordy (PL-RJ), fortalecendo a associação pública de frei Gilson com setores da direita política.
Divergências na abordagem pastoral
As diferenças de visão dentro do próprio meio católico também vieram à tona. No dia 23 de março de 2024, durante uma homilia, o padre Júlio Lancellotti, conhecido por sua ligação política com a esquerda e também ações sociais com moradores de rua, declarou: “Não adianta rezar o terço às 4 da manhã e depois chutar um morador de rua”.
Embora não tenha citado nomes, a fala foi interpretada como uma crítica indireta a práticas de espiritualidade desvinculadas da ação social.
Frei Gilson não respondeu publicamente à declaração, mas a divergência evidencia um debate interno sobre o papel da fé e da oração na ética cristã. Enquanto Lancellotti defende uma espiritualidade voltada para o cuidado com os marginalizados, frei Gilson enfatiza a conversão pessoal e a disciplina espiritual como fundamentos para a caridade.
A análise de estudiosos e lideranças cristãs
Segundo o teólogo Rodolfo Capler, a oração, dentro da tradição cristã, sempre foi compreendida como um meio de transformação pessoal que conduz à prática do bem: “O problema não está na oração em si, mas no que ela gera ou deveria gerar na vida do fiel”, afirmou Capler em entrevista.
Para Capler, frei Gilson conseguiu alcançar um feito incomum: reunir católicos e evangélicos em torno de práticas devocionais comuns. Isso se deve, em parte, à linguagem musical adotada — que remete ao universo gospel — e ao estilo direto de pregação. “Muitos evangélicos se identificam com essa abordagem”, completou.
Já o empresário e comunicador Fábio Hertel, integrante da Missão Praia da Costa e apresentador do Tá Legado Podcast, avalia que a convergência entre católicos e evangélicos tem se ampliado em torno de valores como a defesa da vida, da família e da fé: “Prefiro enfatizar essas convergências do que acirrar as diferenças”, afirmou.
Hertel destaca a relevância da atuação digital do frei: “Se a praça agora é digital, é lá que devemos estar presentes com o Evangelho. E nisso o frei Gilson tem dado uma aula.”
Ele também aponta o desafio que pastores e líderes locais enfrentam diante da influência de figuras digitais: “Hoje eles concorrem com uma avalanche de vozes na internet”, observou, segundo a revista Comunhão.
Para Hertel, é fundamental que o cristão mantenha a centralidade da Bíblia como referência: “Se for seguir alguém nas redes, que seja alguém alinhado com os princípios bíblicos — e só depois de gastar tempo com a Palavra”.