A morte do ator Val Kilmer, aos 65 anos, em 1º de abril, reacendeu o debate sobre os limites entre fé e medicina. A família do ator veio a público com críticas ao cristianismo após seu falecimento.
Conhecido por papéis marcantes em filmes como Top Gun e Batman Eternamente, Kilmer enfrentava um câncer na garganta. Após sua morte, familiares do artista atribuíram parte da responsabilidade à Igreja da Ciência Cristã — grupo religioso ao qual ele era vinculado — por desencorajar tratamentos médicos tradicionais em favor da cura exclusivamente por meio da fé.
Em 2017, Val Kilmer chegou a conceder entrevista anunciando a cura de seu câncer através das orações: “Estou muito grato por todas as orações e bons pensamentos de todo o mundo. As pessoas que sabem que sou um cientista cristão fazem a suposição de que de alguma forma me ameacei. Mas muitas pessoas foram curadas por oração durante toda a história. E muitas pessoas morreram por qualquer coisa que fosse a medicina moderna”, contou o ator na ocasião.
Diferente da Cientologia, seguida por Tom Cruise, a Igreja da Ciência Cristã prega que a oração e a confiança em Deus são suficientes para a cura de enfermidades. Segundo os familiares, essa orientação teria influenciado negativamente as decisões de Kilmer sobre seu tratamento.
O caso provocou questionamentos públicos: é possível abrir mão da medicina por motivos religiosos? Fé e ciência podem atuar juntas no processo de cura?
‘Fé e ciência são aliadas’, diz médica cristã
Para a médica Willânia Cristine Damm Lourenço, cirurgiã geral e pediátrica, a resposta está na integração. Cristã evangélica, ela participa ativamente de sua igreja e acredita que a fé não entra em conflito com o conhecimento científico, mas o complementa.
“Como seres racionais que somos, nos movemos em direção à ciência. Mas a fé intensifica a sensação de plenitude. Além disso, quando a ciência chega ao limite, a fé permanece lá, se não para complementar a cura, ao menos para trazer conforto e esperança”, afirmou, em entrevista à revista Comunhão.
Citando o livro de Provérbios 2:6 — “Porque o Senhor é quem dá sabedoria; da sua boca procedem o conhecimento e o discernimento” —, a médica argumenta que a sabedoria científica é um dom divino.
“Renunciar à medicina em prol exclusivo da fé é renegar algo dado por Deus. Não usar os recursos oferecidos por Ele é uma fé cega, e não é isso que Ele deseja de nós”, ressaltou.
Segundo a doutora, a fé também desempenha um papel emocional importante no enfrentamento das doenças: “Uma pessoa motivada, confiante, está mais próxima de um equilíbrio entre corpo e mente do que alguém desesperançado. E quanto maior esse equilíbrio, melhor a resposta imunológica corporal”, afirmou.
Willânia relatou ainda que a oração está presente em sua rotina médica:
“Oro sempre, inclusive antes das cirurgias. E como cirurgiã, vendo a anatomia e a fisiologia humana de perto, não consigo acreditar que algo tão perfeito não tenha uma mente criadora brilhante”, disse.
Pastor faz alerta
Para o pastor Josué Ebenézer de Sousa Soares, da Comunidade Batista Atos 2, de Nova Friburgo (RJ), o conflito entre ciência e fé tem raízes históricas. Ele lembra que até o século XVII havia uma forte presença da igreja no sistema político e educacional, o que provocava tensões com os cientistas da época.
“A fé era praticamente imposta, o que desagradava em muito os homens da ciência. Uma agravante era que o ensino e as bibliotecas estavam ligados à igreja, o que restringia e condicionava o pensar”, explicou. Com o surgimento do Iluminismo, que passou a valorizar apenas o que fosse comprovado empiricamente, iniciou-se, segundo o pastor, um processo de rejeição das ideias religiosas.
Josué Ebenézer acredita que a atual distância entre fé e academia é fruto dessas ideias iluministas. “As ideologias ateístas dominantes hoje querem erradicar a herança judaico-cristã da sociedade. Tarefa impossível, pois o que o mundo ocidental é, decorre, em grande parte, dessa tradição”, afirmou.
Sobre a relação entre fé e ciência na prática médica, o pastor é enfático: abandonar os tratamentos convencionais pode ser fatal. Ele contou o caso de uma jovem que, ao ouvir de um líder religioso que estava curada, suspendeu a medicação. Um mês depois, veio a óbito.
“Deus age de diversas maneiras. Ele é o criador e o dono da inteligência, que distribuiu ao ser humano exatamente para ser usada. Infelizmente, existe uma pseudoespiritualidade que procura desconstruir a medicina. Isso é um atraso. Quem segue por este caminho corre sérios riscos”, alertou.
Ainda assim, o pastor defende o papel da fé no processo de cura: “A fé é fundamental para a saúde do corpo. Isto está comprovado cientificamente. A fé e a oração são auxiliares da medicina no processo de cura”, afirmou, concluindo com a citação bíblica de Tiago: “A oração do justo pode muito em seus efeitos”.