Algumas igrejas neopentecostais mantêm algumas das tradições judaicas seguindo o calendário de feriados religiosos estabelecido no Antigo Testamento, e nos Estados Unidos esse número vem crescendo, com o sincretismo religioso atingindo níveis cada vez maiores.
Na noite de Rosh Hashaná, milhares de pessoas vão deixar o trabalho, reunir-se em congregações e adorar a Deus, o governante do mundo. Dez dias depois, eles começarão um jejum e se reunirão novamente para orar, desta vez expiando seus pecados. Em ambas as ocasiões, louvarão Jesus Cristo e orarão por seu retorno.
Eles não são judeus, nem são judeus messiânicos. Em vez disso, são membros de um movimento evangélico chamado Living Church of God (“Igreja Viva de Deus”, em tradução livre). Nos dias em que os judeus conhecem como Rosh Hashaná e Yom Kipur, esses neopentecostais celebram o que chamam de Festa das Trombetas e Dia da Expiação.
“Não estamos tentando ser judeus”, disse Dexter Wakefield, um pastor da Igreja Viva. “Estamos obedecendo aos mandamentos de Deus. Os dias sagrados têm um grande significado para os cristãos que os guardam”, acrescentou, segundo informações do Times of Israel.
A Igreja Viva de Deus é um dos poucos grupos evangélicos que observa o cristianismo como acredita que Jesus observou, de acordo com os ditames da Bíblia hebraica. Isso significa que não há Natal e nem Páscoa – feriados que a igreja rejeita como origem pagã. Isso também significa que os membros observam o sábado como os judeus: da noite de sexta a sábado à noite. O costume cristão dominante de observar o sábado no domingo, eles acreditam, é outro desvio do cristianismo autêntico de Jesus.
Embora a Igreja Viva de Deus, que tenha cerca de 10 mil membros, defenda observar o sábado e os feriados judeus, eles não são judeus messiânicos, que se autoidentificam como judeus e usam escrituras e liturgias hebraicas. Nem são Adventistas do Sétimo Dia, que observam o sabado apenas no sábado e nenhum outro feriado judaico.
A igreja tem quase 400 congregações em seis continentes, e a maior parte da sua adesão é na América do Norte, com sede em Charlotte, no estado da Carolina do Norte. É governada por um Conselho de Anciãos e é uma conseqüência ideológica da filosofia de Herbert Armstrong, cuja pregação da observância do Antigo Testamento inspirou várias igrejas que se vêem fora da tradição comum evangélica.
Para a Igreja Viva de Deus, o Rosh Hashaná e Yom Kippur – o primeiro começa este ano na noite de 20 de setembro e o último ao pôr-do-sol 29 de setembro – são dois dos sete festivais celebrados ao longo do ano. Esses festivais correspondem aos cinco feriados judeus comandados na Torá – Rosh Hashaná, Yom Kipur, Sukkot, Páscoa e Shavuot.
A igreja trata o feriado no final de Sukkot, como um festival separado, e dividindo a Páscoa em dois – o primeiro dia e tudo o que vem depois. “Estes dias foram claramente ordenados no Antigo Testamento, e sua observância por Cristo e os apóstolos no Novo Testamento certamente os ratifica para a Igreja Cristã”, escreveu o fundador da igreja, Roderick Meredith. “Os verdadeiros cristãos devem manter os dias sagrados nos dias que Deus fez. E devemos seguir o exemplo de Jesus e os apóstolos originais ao fazê-lo”, acrescentou.
Esses feriados correspondem ao ciclo agrícola anual e também assumiram o significado histórico judeu. Mas para a igreja, eles refletem os passos na segunda vinda de Jesus e a última redenção do mundo.
Ao invés de marcar o Ano Novo, Rosh Hashaná – um feriado de um dia chamado Festa de Trombetas, uma tradução razoavelmente literal de seu nome na Torá, Yom T’ruah – marca o dia em que Jesus aparecerá novamente saudado por trombetas. Yom Kippur, traduzido como o Dia da Expiação, marca o dia em que satanás finalmente será derrotado.
A igreja celebra cada dia com um culto – curto para os padrões judaicos – que inclui um sermão sobre o tema do dia, acompanhado por hinos. Como judeus observantes, os confrades do Dia da Expiação irão tirar o dia de folga e abster-se de comer e beber. Mas nas férias, dispensam rituais judeus como mergulhar maçãs no mel, vestir roupas brancas conhecidas como kittels ou soprar um shofar.
E enquanto os judeus possuem livros de oração especiais, apenas para os principais feriados religiosos, Wakefield diz que não há um conjunto tradicional de hinos para cantar nos dois dias. “Ocasionalmente, alguém trará um shofar apenas pela diversão”, afirmou o pastor fundador. “Não é um ritual particular que fazemos. É uma coisa deliciosa a fazer”, reiterou.
Quatro dias após o Dia da Expiação, as congregações da igreja deixarão suas casas para uma habitação temporária, como os judeus fazem em Sukkot. Mas essa habitação será um resort ou hotel – não um sukkah feito de pano, madeira e galhos. A igreja vê o feriado como um tempo para sair de casa e se reunir em outro lugar, mas esse lugar não precisa estar aberto ao tempo.
A igreja também observa vários outros mandamentos do Antigo Testamento. Os membros abstém-se de comer alimentos expressamente proibidos na Bíblia – como os mariscos – e se abstêm do trabalho do pôr-do-sol de sexta-feira ao pôr-do-sol sábado, principalmente correspondendo ao Shabat judeu. Mas não há nenhum conjunto de práticas proibidas no sábado.
“Se você trabalha na fábrica durante a semana, você não está trabalhando ao pôr-do-sol sexta-feira. Nós ensinamos que você não faz seu trabalho semanal”, disse Wakefield. Enquanto a maioria dos grupos evangélicos não observam o Antigo Testamento como a Igreja Viva de Deus, muitos atribuem significado a alguns dos seus mandamentos. Muitos líderes evangélicos, por exemplo, citaram Levítico em sua oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Cynthia Lindner, diretora de Estudos do Ministério da Escola de Divindade da Universidade de Chicago, diz que os cristãos são atraídos por esses versículos porque eles definem códigos de conduta interpessoal. “Existem textos do Velho Testamento que estão focados na prescrição de comportamentos muito mais do que no Novo Testamento”, disse ela.
“Os textos e códigos da Bíblia hebraica são facilmente apropriados quando você quer fazer um argumento sobre o comportamento”, acrescentou Lindner.
“Eu acho que muitos cristãos têm a idéia de que o judaísmo é mais autêntico, mais antigo, mais próximo da vontade de Deus do que o que muitas igrejas se tornaram nos tempos modernos”, disse Jon Levenson, professor da Bíblia hebraica em Escola de Divindade de Harvard.
“Há essa noção de que a tradição da igreja se afastou cada vez mais da verdadeira Palavra de Deus e que de alguma forma os judeus e a Bíblia estão mais próximos da verdadeira Palavra de Deus, e devemos começar a tomar essas coisas”, frisou Levenson.
Mas para a Igreja viva de Deus, Rosh Hashaná é mais do que se lembrar dos tempos antigos. Trata-se da redenção iminente do mundo através de Jesus: “Podemos imaginar uma enorme explosão de trombeta, literalmente, sacudindo a Terra para anunciar o retorno de Cristo como Rei dos Reis? Podemos imaginar os verdadeiros santos de Deus – que o seguem onde quer que Ele vá – subindo para encontrar Cristo no ar, se juntar para sempre com seu Salvador e ajudá-lo a governar este planeta rebelde? Todas estas coisas serão anunciadas pela sétima trombeta!”, enfatiza a denominação.