
Paul Syrstad, diretor britânico de 33 anos, está ciente do caráter ousado de sua proposta: reimaginar o livro de Atos em uma versão alternativa, crua, moderna e distópica. “É o primeiro do gênero”, disse ele. “É ousado. É uma escolha bastante ousada. Mas acho que é disso que precisamos”.
O projeto, intitulado Testament, estreou no aplicativo Angel Studios no dia 8 de junho. Na produção, o movimento cristão primitivo não é ambientado na Jerusalém do primeiro século, mas em “Salem”, uma sociedade sob domínio imperial. Nesta reinterpretação, os elementos modernos, como carros e trens, coexistem com a ausência de smartphones ou redes sociais, criando uma realidade análoga, mas não digital.
De acordo com Syrstad, a decisão de ambientar a história em um “dia moderno alternativo” é uma escolha deliberada. “Não se pode contar a mesma história que se encontra no livro de Atos dentro da revolução digital”, afirmou o diretor. Ele explicou que, por exemplo, a primeira carta de Paulo aos Coríntios se tornaria apenas um rascunho de e-mail, algo que perde a mesma essência e contexto. Para ele, o nível de ameaça do formato analógico – que exige o transporte físico de algo – se perde na era digital.
A abordagem narrativa de Syrstad tem raízes tanto espirituais quanto práticas. “Começamos a fazer curtas-metragens, recontando parábolas para tentar inseri-las no contexto atual”, explicou. Ele citou sua experiência ao trabalhar com jovens na igreja, onde muitos tinham dificuldade em entender o contexto histórico das parábolas. “Eu adorava, mas nem todo mundo gosta de túnicas e sandálias. Então, foi uma forma de dizer: ‘Aqui está a mesma história, só que com algumas diferenças estéticas’, na esperança de conectar as pessoas”.
Apesar de sua construção de mundo alternativa, Testament permanece enraizado nas Escrituras e na presença do Espírito Santo, uma figura central na série. “Ele é o personagem principal”, afirmou Syrstad ao The Christian Post.
“Está em todos os episódios, sem exceção”, disse ele, destacando que o Espírito Santo é representado de forma constante ao longo da trama, especialmente em cenas como a morte de Ananias e Safira, mencionadas em Atos 5, uma passagem comumente omitida ou suavizada.
Para Syrstad, Testament busca equilibrar a fidelidade à narrativa bíblica com uma reformulação que possa atrair uma nova geração. “Os personagens são os mesmos, os nomes dos locais são os mesmos”, afirmou ele. “Chamamos Jerusalém de ‘Salem’ na nossa versão. Mas, tirando isso, é praticamente tudo igual.”
O diretor acredita que o livro de Atos nunca foi tão relevante quanto agora. Ele destacou a humanidade dos apóstolos, muitas vezes idealizados, que enfrentaram as mesmas dúvidas e lutas que os cristãos de hoje. “Você e eu, neste momento, fazemos parte do capítulo 29 de Atos, que é o capítulo não escrito. E estamos continuamente vivendo isso”, disse Syrstad.
Com a ascensão de produções como Os Escolhidos e Casa de Davi, Testament chega em meio a um que alguns chamam de renascimento da narrativa bíblica. Syrstad vê isso como parte de um movimento maior, impulsionado pela democratização da produção cinematográfica. “A democratização da produção cinematográfica ajudou muito”, afirmou ele, observando que a qualidade dos equipamentos de filmagem se estabilizou drasticamente, o que tem permitido a criação de histórias mais autênticas e respeitosas.
Ao contrário das tentativas de Hollywood, que frequentemente falham em captar a verdadeira essência das histórias bíblicas, Syrstad acredita que Testament busca uma conexão genuína com as Escrituras. “Sempre penso em filmes e programas de TV cristãos como sendo para a Igreja ou da Igreja. E alguns conseguem se encaixar em ambos”, explicou. “Mas o que estamos vendo agora é que um público mais amplo está prestando atenção.”
Syrstad coescreveu Testament com sua esposa, Faith, e seu irmão, Kenneth, destacando que a colaboração familiar foi uma das experiências de escrita mais enriquecedoras. A série é focada nas tensões tanto teológicas quanto emocionais, com destaque para o personagem de Saulo, que desempenha um papel fundamental antes mesmo dos eventos narrados em Atos.
A estreia da série em Londres, poucos dias antes da entrevista, foi marcada por uma recepção calorosa. “As pessoas adoraram a audácia, a ousadia”, disse Syrstad, impressionado com o apoio recebido. Ele acredita que a história de Atos, com seus personagens humanos e suas lutas, continua relevante, independentemente do tempo ou do contexto.
Testament é estrelada por Eben Figueiredo como Saulo, Charlie Beaven como Estêvão, Mogali Masuku como Maria Madalena, Tom Simper como Pedro, Stuart Scudamore como Gamaliel, Yasmin Paige como Mara, e os irmãos Kenneth e John Omole como João e Tiago Zebedeu. Os dois primeiros episódios da primeira temporada foram lançados em 8 de junho, com um total de oito episódios previstos.