Brendo Silva, 33 anos, pedagogo com pós-graduação em sexologia e religiosidade, afirmou ter recebido ameaças de morte após o lançamento do livro A vida secreta dos padres gays (Editora Matrix), publicado recentemente.
A obra, que trata da intimidade de membros do clero católico no Brasil sem divulgar suas identidades, vem gerando debates sobre homossexualidade entre religiosos. As ameaças foram noticiadas pela Veja.
Silva foi seminarista por sete anos. Hoje, se identifica como agnóstico. Em entrevista concedida, o ex-seminarista relatou episódios que vivenciou ao longo de sua formação religiosa, incluindo convites de natureza sexual feitos por membros da hierarquia eclesiástica.
“Já tinha largado o seminário, mas, até hoje mantenho contato com muitos padres, seminaristas e freiras. Foi quando um bispo me chamou no Facebook, achei esquisito que me pedisse o WhatsApp, sem muita conversa. Trocamos WhatsApp, começamos a conversar e ele falou: ‘Você não quer sair para almoçar?’. Falei: ‘Quero’. Ele marcou num sábado, também morava em São Paulo, onde moro atualmente, e fomos a uma churrascaria. No final do encontro ele já foi enviesando a conversa para um lado mais sexual e me chamou para ir a um motel. Enfim, fomos”, afirmou.
Durante a entrevista, Silva disse ter observado, desde os primeiros contatos com a Igreja, uma prevalência de jovens homossexuais nos espaços de formação. “Já no grupo de coroinhas notei que a maioria dos garotos era gay. Depois, quando fui para o vocacional, percebi novamente que a maioria era formada por gays. Quando entrei no seminário, com 14 anos, minha turma era formada por 12 seminaristas, 8 eram gays ou bissexuais”, declarou. Segundo ele, esse padrão se repetiu em diferentes locais pelos quais passou: “Sempre a maioria dos padres e seminaristas era gay”.
Silva argumenta que seu livro busca compreender as razões pelas quais a Igreja atrai homens homossexuais. “O livro é uma tentativa de responder a essa pergunta, que muitas vezes é respondida no senso comum como busca de um refúgio. E descobri que não é só isso”, afirmou.
Sobre o ambiente nos seminários, disse: “Quase todo mundo ali é gay. Todo mundo tem um amor sincero e honesto pela Igreja. Todo mundo tem essa sensibilidade e esses dons. E você se encontra entre iguais. Os héteros que entrevistei para o meu livro falam que se sentiam deslocados e às vezes até excluídos por conta da maioria ser gay”.
Ao relatar sua saída da Igreja, Silva afirmou que enfrentou conflitos relacionados à sua identidade sexual. “Estava morando na Europa. Ia ter uma boa formação, uma vida tranquila. Mas pedi para sair e nunca mais voltar, porque vivia com conflito interior por conta da minha identidade sexual”, disse. Ele acrescentou: “Tentei de toda forma renegar a minha sexualidade, pedi para Deus tirar isso de mim. Tentei cura gay, fazer mortificação, jejum, sacrifício, tudo que você imaginar e isso não acabava. Comecei a entender que fazia parte de mim”.
Silva disse ainda que optou por não seguir com uma “vida dupla”. “Não quero usar o ambão para pregar alguma coisa e, lá atrás, ou quando estou de férias na minha cidade, ou por aí pelo Brasil e pelo mundo, praticar algo diferente nas boates e saunas, como meus colegas seminaristas e padres fazem até hoje”, afirmou.
Questionado sobre a possibilidade de papas homossexuais, Brendo declarou: “Com certeza já tivemos papa gay. Tem estudos, de mais de um autor, que apontam papa Paulo VI, até namorado ele tinha”. Ressaltou que tais alegações não foram comprovadas. “Se a gente tem uma maioria de padres, seminaristas e bispos gays, é claro que já tivemos papa gay”, completou.
Ao mencionar o atual pontífice, Leão XIV, afirmou ter conhecido o seminário da ordem agostiniana em Bragança Paulista (SP), onde o papa estudou. “Fiquei uma semana no seminário da ordem dele (…) e lá não lembro de nenhum hétero na ordem dele. Pelo menos os que conheci, inclusive alguns se tornaram amigos depois que saí, não lembro de nenhum hétero lá”.
Segundo Silva, as ameaças que recebeu não contestaram o conteúdo do livro. “De todas as ameaças que recebi, nenhum padre falou: ‘Você está mentindo’. Eles só falam: ‘Quem é você para falar sobre isso’, ‘não fale sobre isso’. Ninguém nega, mas me pedem para me calar”, relatou.
Por fim, o ex-seminarista afirmou que há sacerdotes com visibilidade pública que mantêm comportamentos não condizentes com seus discursos. “Os padres gays, por exemplo, estão nas fileiras dos melhores sacerdotes da Igreja. (…) Conheço e vi com meus próprios olhos, mas optei por não citar no livro por questão editorial, para evitar processos”, disse. E concluiu: “Um desses padres que sei participa de programas de TV defendendo discursos moralistas, o que é ainda mais triste”.