Arqueólogos que escavam o sítio de Tel Malhata, no deserto de Negev, em Israel, identificaram estatuetas raras de osso e ébano em três sepulturas cristãs datadas do século VI ou VII d.C. Segundo relatório publicado no periódico Atiqot por pesquisadores da Autoridade de Antiguidades de Israel e da Universidade de Colônia, as descobertas apontam para a possível presença de cristãos de origem africana — possivelmente etíopes — na região durante a era bizantina.
As sepulturas foram encontradas próximas à base aérea de Nevatim, no nordeste do Negev. As peças incluem duas estatuetas de ébano que retratam um homem e uma mulher com traços africanos, e outras três feitas de osso. A equipe afirmou que, até o momento, nenhuma estatueta semelhante havia sido documentada em Israel, na Jordânia ou em territórios vizinhos.
“Parece que as estatuetas representavam ancestrais e não divindades. Se for o caso, é possível que os falecidos fossem de origem ‘etíope’ e que eles ou seus ancestrais tenham se convertido ao cristianismo e se mudado para o Negev”, informou o relatório oficial da escavação.
O arqueólogo Noé D. Michael, que integra a equipe, descreveu a descoberta como excepcional. “Até onde sabemos, nenhuma estatueta desse tipo foi identificada em Israel, na Jordânia e em nossa região”, disse ele ao The Times of Israel.
A escavação revelou 155 túmulos no total, mas três sepulturas se destacaram por conterem os artefatos em questão. Em uma delas, foi encontrado o esqueleto de uma mulher de aproximadamente 20 a 30 anos, acompanhada de dois jarros de alabastro, joias de bronze e duas estatuetas — uma de osso e outra de ébano. Em outra sepultura, jazia uma criança de 6 a 8 anos, com bens funerários similares. A terceira sepultura, de uma jovem entre 18 e 21 anos, continha recipientes de vidro, uma pulseira de bronze e uma estatueta de osso com a forma de uma figura feminina.
Segundo os pesquisadores, a semelhança entre os itens funerários das sepulturas da mulher adulta e da criança, especialmente os pingentes com pequenos furos que sugerem uso no pescoço, indicam possível laço familiar. “Acreditamos que, como os túmulos eram próximos e ofereciam o mesmo tipo de presentes funerários, provavelmente se tratava de uma mãe e um filho”, explicou a equipe. No entanto, não foi possível realizar testes de DNA devido à condição dos ossos.
A análise botânica confirmou que o ébano usado nas estatuetas era da espécie Diospyros ebenum, árvore nativa do sul da Índia e do Sri Lanka. Isso indica que os objetos podem ter chegado à região por meio das rotas comerciais ativas à época.
O sítio de Tel Malhata era estrategicamente localizado na confluência de rotas comerciais importantes — uma ligando o Mar Vermelho à Judeia e Jerusalém, e outra conectando o Mediterrâneo à Península Arábica. De acordo com o jornal Haaretz, essas rotas facilitaram o trânsito de produtos de luxo como especiarias, seda e madeira exótica, incluindo o ébano.
Historicamente, Tel Malhata foi habitada desde a Idade do Bronze Médio e funcionou como cidade fortificada e centro administrativo no período romano, segundo escavações realizadas nas décadas de 1990 e 2000. A atual escavação reforça a importância contínua do local no período bizantino.
De acordo com o estudo, o cristianismo se espalhou significativamente no século VI, durante o reinado do imperador bizantino Justino I. Os autores associam essa expansão a possíveis movimentos migratórios de populações do Chifre da África, como a Etiópia, que mantinham redes de comércio e peregrinação com o Levante. A presença de estatuetas com estilo africano, associada a práticas funerárias cristãs e ao contexto comercial da época, sustenta a hipótese de que os enterrados poderiam ser cristãos etíopes convertidos.
Embora a equipe não tenha conseguido obter material genético dos restos mortais, a hipótese de origem etíope baseia-se na iconografia das estatuetas e na história conhecida de mobilidade dos povos africanos no mundo greco-romano. O historiador Frank Snowden, em sua obra publicada em 1970, já havia destacado que etíopes viviam em diversas regiões do Império Romano.
A equipe também destacou um padrão nos bens funerários da necrópole: a maioria das mulheres foi enterrada com objetos como vasos, joias e estatuetas, enquanto apenas dois homens — ambos idosos — apresentavam bens no túmulo, possivelmente indicando status social elevado.
Para os pesquisadores, as estatuetas podem representar não apenas itens de valor, mas também símbolos de identidade cultural e memória ancestral, preservados mesmo após a conversão ao cristianismo. As tumbas eram do tipo cista, construídas com pedras e alinhadas com os costumes funerários cristãos da época.
A descoberta amplia o conhecimento sobre a diversidade étnica e cultural no antigo Oriente Médio durante o período bizantino, ressaltando a complexidade dos vínculos entre fé, identidade e mobilidade em contextos históricos marcados por redes transcontinentais de comércio e peregrinação, de acordo com informações do The Christian Post.