Durante séculos, um túmulo escavado em rocha no sul da Judeia foi venerado por peregrinos cristãos como o local de descanso de uma mulher chamada Salomé, associada à tradição evangélica. No entanto, uma nova pesquisa da Autoridade de Antiguidades de Israel (IAA) sugere que a identidade da ocupante pode ter sido confundida com o passar dos séculos.
Segundo arqueólogos envolvidos na escavação, trata-se possivelmente da tumba de uma integrante da elite herodiana: Salomé, irmã de Herodes, ligada à morte de João Batista.
As escavações foram realizadas entre 2022 e 2023 na chamada “Caverna de Salomé”, próxima a Ascalão. O estudo foi conduzido pelos arqueólogos Nir-Shimshon Paran e Vladik Lifshits, e os resultados foram publicados na edição de 2025 do periódico científico ‘Atiqot’. Segundo Paran, “acreditamos que seja plausível que o local tenha pertencido à Salomé herodiana, uma figura poderosa e influente da corte, e não à discípula de Jesus”.
A caverna impressiona pela grandiosidade. O pátio mede 225 metros quadrados e dá acesso a uma câmara funerária com vários nichos, cercada por pedras entalhadas com ornamentos típicos da aristocracia do período do Segundo Templo (séculos I a.C. – I d.C.). De acordo com os pesquisadores, trata-se de um dos maiores e mais sofisticados complexos funerários do período já descobertos em Israel.
A estrutura teria permanecido abandonada por séculos até ser redescoberta por peregrinos bizantinos no século VI. Inscrições em grego, árabe e siríaco desse período indicam a transformação do local em santuário cristão, com pelo menos duas inscrições nomeando Salomé como santa. A tradição popular acabou por identificar a tumba com personagens dos evangelhos, como a Salomé que testemunha a crucificação (Marcos 15:40) ou a parteira de Maria mencionada no apócrifo Evangelho de Tiago.
No entanto, segundo a análise dos arqueólogos, a Salomé referida nas inscrições pode não ser a mesma das tradições cristãs. Para Paran, o nome provavelmente sobreviveu da ocupante original do túmulo, uma figura histórica de grande influência: Salomé, irmã de Herodes, que teria solicitado a cabeça de João Batista, conforme registrado nos evangelhos de Marcos (6:22-28) e Mateus (14:6-11). Após a morte do rei, ela teria herdado propriedades e exercido autoridade em diversas cidades da região.
A hipótese ganha força com a descoberta de vilas romanas de alto padrão nas redondezas. “É provável que os donos dessas vilas também tenham construído o complexo funerário”, disse Paran ao jornal The Times of Israel. A localização estratégica da caverna, entre Ascalão — onde Herodes teria construído um palácio para a irmã — e o Vale do Jordão, também é considerada um elemento relevante pelos autores do estudo.
Ainda que não tenham sido encontradas evidências diretas, como um ossuário com o nome da figura herodiana, os pesquisadores consideram que a convergência de fatores geográficos, arquitetônicos e históricos sustenta a possibilidade de que a caverna tenha sido originalmente construída para Salomé, irmã do rei da Judeia.
Fechada atualmente à visitação pública, a Caverna de Salomé segue sendo um local de interesse tanto arqueológico quanto espiritual. Peregrinos modernos ainda deixam velas, ícones e preces nos nichos antigos, mantendo viva uma devoção que, mesmo diante das novas interpretações, continua a atravessar os séculos.