O programa global Amor e Sexo hasteou a bandeira da legalização do aborto na edição da última terça-feira, 13 de novembro, e a apresentadora Fernanda Lima apresentou dados duvidosos sobre a prática da interrupção da gravidez, que é ilegal no país.
Numa espécie de editorial, Fernanda Lima fez ilações sobre o tema, dizendo que o número de mortes causadas pela prática em clínicas clandestinas é de quatro por dia. Se os dados fossem corretos, significariam que 1.460 mulheres seriam enterradas, todos os anos, por conta de aborto.
“O aborto é crime no Brasil, mas a cada minuto uma mulher cruza a fronteira da legalidade para interromper uma gestação. 88% delas se declaram religiosas e a grande maioria tem filhos. Quatro mulheres morrem todos os dias por complicações relacionadas a procedimentos não assistidos. A maioria é pobre e negra. Se todas elas fossem presas, seis milhões de filhos ficariam sem as suas mães e muitas famílias perderiam seu sustento, já que 40% delas são chefiadas por estas mesmas mulheres”, afirmou Fernanda.
Os números apresentados por Fernanda Lima apontam ainda um aborto por minuto no Brasil, o que significaria que, ao longo de um ano, 525,6 mil mães teriam realizado procedimentos para interromper a gestação. Em comparação, em 2016 o Brasil registrou o nascimento de 2,8 milhões de crianças, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reportados pela revista Veja.
Como a principal oposição ao aborto vem do segmento cristão da sociedade, com católicos e evangélicos liderando a resistência às mudanças na legislação, o programa da TV Globo levou a ativista Camila Mantovani, filiada ao PSOL e fundadora da “Frente Evangélica pela Legalização do Aborto”.
A jovem de 24 anos é membro da Igreja Batista do Caminho, congregação liderada pelo controverso pastor Henrique Vieira, também filiado ao PSOL, colaborador do grupo esquerdista Mídia Ninja e defensor do uso da imagem de Jesus de forma política como bandeira de um segmento na guerra de classes. “Um Jesus negro faz mais sentido”, costuma dizer o militante de esquerda.
No Amor e Sexo, Camila Mantovani diz que a Bíblia “oferece argumentos em favor desta luta”. Em novembro de 2017, numa entrevista ao jornal O Globo, defendeu uma interpretação enviesada do livro de Êxodo para reforçar sua bandeira.
“Algo que tem funcionado para conseguir apoio nessa pauta é trabalhar com dados. Mostrar porque a criminalização não funcionou e explicar que defender a legalização é diferente de defender a prática. Resgatamos alguns trechos da Bíblia, como uma do Êxodo (capitulo 21, versículos 22 e 23), no qual fica claro que a vida da mulher está muito acima da do feto, quando diz que a vida dela deve ser paga com outra. Enquanto no caso da perda do feto, o agressor deveria ser ‘multado’. Temos na Bíblia um exemplo do quanto a vida da mulher vale mais do que a de um embrião”, disse na ocasião.
Agora, repetiu o discurso de seu pastor, dizendo que “a gente crê num Deus que se fez corpo… um corpo marginal, negro, numa periferia chamada Nazaré. Não faz sentido, hoje, hostilizar os corpos que são marginais”.
Camila opinou que a discussão sobre a legalização é impedida pelo que definiu como “fundamentalismo religioso”, e apontou uma solução que atende apenas à sua convicção pessoal: “Não se pode pautar as políticas públicas segundo as nossas concepções de pecado. Isso é muito errado, inclusive do ponto de vista do próprio Evangelho”, tergiversou.
Comprovações
Sem citar fontes sobre os dados apresentados, Fernanda Lima repetiu o papel de militante ao repetir números que não encontram base na realidade. Uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo, de 2016, é o que mais se aproxima do que a atração global sugeriu serem fatos.
A matéria, que anuncia quatro mortes por dia em hospitais “por complicações do aborto”, aponta que os números são do Ministério da Saúde, embora essa estatística não conste do Datasus, portal oficial dedicado aos dados da saúde no país. É de se estranhar que um órgão dedicado a reunir e apresentar dados ignore a causa de 1.460 mortes de mulheres ao ano.
O próprio jornal informa que os números do Sistema de Notificação de Mortalidade (SIM) são infinitamente menores: “54 mortes comprovadas de mulheres em decorrência da interrupção da gravidez em 2014 – último ano com estatísticas divulgadas”.
“O ministério alerta não ser possível afirmar que todos os óbitos podem ser atribuídos ao procedimento provocado, feito na maioria das vezes de forma clandestina. Técnicos justificam que as mortes poderiam ter sido causadas, por exemplo, por outros problemas que não tinham relação com a interrupção da gravidez. Ou até mesmo que o aborto tenha sido resultado de problema de saúde apresentado pela paciente”, salienta a própria matéria do Estadão.
Os dados de morbidades do Datasus mostram que, em 2016, entre as mulheres internadas por causa de abortos apenas 53 morreram. No ano anterior foram registrados 70 óbitos, de acordo com informações do portal Gazeta do Povo. A falta de clareza nas informações fica evidente quando os números são comparados com dados do Sistema de Informação de Mortalidade, também organizado pelo Ministério da Saúde, que mostram que em 2015 ocorreram 56 óbitos decorrentes de procedimentos de aborto.
Discrepâncias
A distância entre os dados da militância pró-aborto e da realidade foram tema de uma palestra do médico ginecologista Rafael Câmara no Supremo Tribunal Federal (STF), durante audiência pública da ADPF 442.
Câmara fez uma exposição intensa sobre a inconsistência dos dados sobre aborto usados pela grande mídia, acusando a imprensa de fake news, e movimentos ativistas, que muitas vezes são financiados por entidades pró-aborto, o que caracteriza “conflito de interesses”.
O médico também destacou a realidade precária das maternidades brasileiras, apontando que a postura coerente, se houver investimento, seria direcionar as verbas para a melhoria das condições nos hospitais para evitar que mães que decidem levar a gestação adiante não morram ao dar à luz. Assista: